Ainda inconformado
com a maioria “antidemocrática” brasileira (Ele sempre dizia sobre o resultado
justo das últimas eleições presidenciais: “Esses pobres, não sabem votar! Só
haverá democracia plena quando todos pensarem igual a mim!”) a aberração
cognitiva, também chamada de burguês, mantinha-se quieto em sua confortável e
gigantesca cama (de molas ensacadas, forrada com lençóis de seda legítima).
Alice dormia profundamente. Seus filhos também. O apartamento só não estava
completamente silencioso devido aos gemidos de sua vizinha de andar, a loira de
corpão saradíssimo que ele “secretamente” desejava. Os sons que ela fazia entravam
pelas frestas de sua janela e se instalavam em seu desejo. “Nossa, essa mulher
é uma máquina! Não cansa nunca! (em suas representações tudo se transformava em
coisas...)”. Quase excitado (havia muito tempo que sua ereção não era
completa), o burguês levantou com cuidado para não acordar sua esposa e rumou
até seu escritório. Ligou o seu computador (de última geração) e resolveu
passear por sites de fotos e vídeos pornôs. Claro, preferia as mulheres loiras,
magras e com silicone nos seios, como as americanas que ele tanto admirava.
Absorto em seus devaneios eróticos o burguês esqueceu de conferir se a porta
estava devidamente fechada. Com seu sexo na mão, suas ceroulas arriadas e o som
constante do vídeo escolhido (Oh yes, oh Good!) não escutou os passos que
vinham em sua direção. Maria, a empregada da família que dormia três dias por
semana no minúsculo quarto destinado aos serviçais do apartamento (com varanda estendida
e espaço gourmet integrado), abriu a porta do escritório de uma vez, pois
precisava falar com sua filha pelo Facebook:
- Opa, desculpe seu
Adolfo!!!
O burguês, levantando
a ceroula enquanto tentava proteger sua imagem dos olhos da invasora, pulou para
trás da escrivaninha de cor viva (ideia do decorador contratado por Alice) grunhindo:
- Feche esta maldita
porta! Cacete!
Maria saiu rápido,
fechando a porta. Em sua cabeça aquele episódio esquisito estava encerrado,
pois “cada qual com seu cada qual...”. Voltou para seu quarto, enfiou-se nos
lençóis de sua estreita cama e tentou dormir. O burguês, no outro lado do
apartamento, não sabia o que fazer. Recomposto, desligou o seu computador e foi
até a cozinha. Tomou um pouco de água, respirou fundo para se acalmar e
resolveu ir até o quarto da empregada, para acertar as coisas. Sem ao menos
bater na porta (afinal, pensava ele, “Eu sou o dono desta casa!”) abriu-a e
sentou-se no pé da pequeníssima cama onde Maria dormia:
- Maria, você está
acordada?
Maria estendeu os
braços lentamente, olhou para o dono do apartamento, sentou-se e, percebendo
que aquele sujeito iria lhe “encher o saco” disse, enquanto se arrumava na
parte superior da cama:
- Seu Adolfo, é o
seguinte: eu não vi nada, não sei de nada e tenho raiva de quem sabe, belê? Vou
dormir que eu ganho mais.
Enquanto ela falava,
seus seios ficaram bastante salientes por entre a camiseta de algodão branca
que vestia. O burguês, não conseguindo disfarçar seu olhar, e já mudando seu
estado de “espírito” em relação à sua interlocutora, posou sua mão esquerda em
cima do joelho direito da moça:
- Claro Maria, eu
agradeço sua discrição. E por falar nisso... Nossa, como você está atraente hoje!
Maria balançou
levemente a cabeça. Já passara por algumas situações parecidas nas casas de
família em que trabalhara. Sempre assim, barrigudos casados, ou seus filhos
adolescentes, se metiam a conquistadores, achando que ela, por ser doméstica,
receberia qualquer tipo de ordem, qualquer tipo de proposta. Retirando asperamente
a mão de seu joelho e olhando fixamente para o burguês, Maria resolveu se
defender:
- Então, seu Adolfo,
vou bater um papo reto com você! Se você tocar em mim de novo eu corto seus
bagos e os mando pelos correios para seus familiares lembrarem de você,
entendeu? E se você não sair daqui agora, eu juro que quebro o seu nariz, seu
porco!
Os olhos dela soltavam
faíscas e seus gestos eram verdadeiramente ameaçadores. Sentindo medo o burguês
levantou-se rapidamente, saindo do quarto mudo. Atravessou a cozinha, a copa e
voltou para seu escritório. Atônito, resolveu sentar-se e acalmar-se. Amanhã
daria um jeito nesta “empregadinha impertinente”. “Onde já se viu, falar assim
com seu patrão? Ah, esses pobres... cada dia menos gente, menos civilizados...”
Trinta minutos depois resolveu deitar-se. Em mais vinte estaria dormindo. Enquanto
isso seus pensamentos voltavam-se para a sua vizinha loira de corpão
saradíssimo... “Ah se ela me desse bola...”. Maria, ainda indignada, resolveu
trancar a porta de seu quarto. Deitando-se novamente seus pensamentos
fervilhavam: “Maldito barrigudo do cacete! Tem motivos de sobra para ser esse
corno dos infernos que é! Ah, se ele vier com este papinho de novo...”.
Adormeceu de punhos cerrados, como a maioria dos que adormecem sobre o jugo de
alguma injustiça.
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