domingo, 8 de março de 2015

Ode ao Burguês - capítulo 17

Ainda inconformado com a maioria “antidemocrática” brasileira (Ele sempre dizia sobre o resultado justo das últimas eleições presidenciais: “Esses pobres, não sabem votar! Só haverá democracia plena quando todos pensarem igual a mim!”) a aberração cognitiva, também chamada de burguês, mantinha-se quieto em sua confortável e gigantesca cama (de molas ensacadas, forrada com lençóis de seda legítima). Alice dormia profundamente. Seus filhos também. O apartamento só não estava completamente silencioso devido aos gemidos de sua vizinha de andar, a loira de corpão saradíssimo que ele “secretamente” desejava. Os sons que ela fazia entravam pelas frestas de sua janela e se instalavam em seu desejo. “Nossa, essa mulher é uma máquina! Não cansa nunca! (em suas representações tudo se transformava em coisas...)”. Quase excitado (havia muito tempo que sua ereção não era completa), o burguês levantou com cuidado para não acordar sua esposa e rumou até seu escritório. Ligou o seu computador (de última geração) e resolveu passear por sites de fotos e vídeos pornôs. Claro, preferia as mulheres loiras, magras e com silicone nos seios, como as americanas que ele tanto admirava. Absorto em seus devaneios eróticos o burguês esqueceu de conferir se a porta estava devidamente fechada. Com seu sexo na mão, suas ceroulas arriadas e o som constante do vídeo escolhido (Oh yes, oh Good!) não escutou os passos que vinham em sua direção. Maria, a empregada da família que dormia três dias por semana no minúsculo quarto destinado aos serviçais do apartamento (com varanda estendida e espaço gourmet integrado), abriu a porta do escritório de uma vez, pois precisava falar com sua filha pelo Facebook:
- Opa, desculpe seu Adolfo!!!
O burguês, levantando a ceroula enquanto tentava proteger sua imagem dos olhos da invasora, pulou para trás da escrivaninha de cor viva (ideia do decorador contratado por Alice) grunhindo:
- Feche esta maldita porta! Cacete!
Maria saiu rápido, fechando a porta. Em sua cabeça aquele episódio esquisito estava encerrado, pois “cada qual com seu cada qual...”. Voltou para seu quarto, enfiou-se nos lençóis de sua estreita cama e tentou dormir. O burguês, no outro lado do apartamento, não sabia o que fazer. Recomposto, desligou o seu computador e foi até a cozinha. Tomou um pouco de água, respirou fundo para se acalmar e resolveu ir até o quarto da empregada, para acertar as coisas. Sem ao menos bater na porta (afinal, pensava ele, “Eu sou o dono desta casa!”) abriu-a e sentou-se no pé da pequeníssima cama onde Maria dormia:
- Maria, você está acordada?
Maria estendeu os braços lentamente, olhou para o dono do apartamento, sentou-se e, percebendo que aquele sujeito iria lhe “encher o saco” disse, enquanto se arrumava na parte superior da cama:
- Seu Adolfo, é o seguinte: eu não vi nada, não sei de nada e tenho raiva de quem sabe, belê? Vou dormir que eu ganho mais.
Enquanto ela falava, seus seios ficaram bastante salientes por entre a camiseta de algodão branca que vestia. O burguês, não conseguindo disfarçar seu olhar, e já mudando seu estado de “espírito” em relação à sua interlocutora, posou sua mão esquerda em cima do joelho direito da moça:
- Claro Maria, eu agradeço sua discrição. E por falar nisso... Nossa, como você está atraente hoje!
Maria balançou levemente a cabeça. Já passara por algumas situações parecidas nas casas de família em que trabalhara. Sempre assim, barrigudos casados, ou seus filhos adolescentes, se metiam a conquistadores, achando que ela, por ser doméstica, receberia qualquer tipo de ordem, qualquer tipo de proposta. Retirando asperamente a mão de seu joelho e olhando fixamente para o burguês, Maria resolveu se defender:
- Então, seu Adolfo, vou bater um papo reto com você! Se você tocar em mim de novo eu corto seus bagos e os mando pelos correios para seus familiares lembrarem de você, entendeu? E se você não sair daqui agora, eu juro que quebro o seu nariz, seu porco!

Os olhos dela soltavam faíscas e seus gestos eram verdadeiramente ameaçadores. Sentindo medo o burguês levantou-se rapidamente, saindo do quarto mudo. Atravessou a cozinha, a copa e voltou para seu escritório. Atônito, resolveu sentar-se e acalmar-se. Amanhã daria um jeito nesta “empregadinha impertinente”. “Onde já se viu, falar assim com seu patrão? Ah, esses pobres... cada dia menos gente, menos civilizados...” Trinta minutos depois resolveu deitar-se. Em mais vinte estaria dormindo. Enquanto isso seus pensamentos voltavam-se para a sua vizinha loira de corpão saradíssimo... “Ah se ela me desse bola...”. Maria, ainda indignada, resolveu trancar a porta de seu quarto. Deitando-se novamente seus pensamentos fervilhavam: “Maldito barrigudo do cacete! Tem motivos de sobra para ser esse corno dos infernos que é! Ah, se ele vier com este papinho de novo...”. Adormeceu de punhos cerrados, como a maioria dos que adormecem sobre o jugo de alguma injustiça. 

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