segunda-feira, 2 de março de 2015

Ode ao Burguês - capítulo 9

Enquanto o burguês praguejava no quarto (a calça colorida não entrara, por conta do excesso de peso decorrente dos anos que passara sentado em seu gabinete), Alice relembrava, esparramada no sofá da sala (com varanda alargada pelo espaço gourmet - oferta top do empreendimento) o quanto a tarde passada "na casa de mamãe" tinha rendido ótimos frutos: "Ah, se eu pego aquele impertinente de novo... deixo-o pelo avesso..." Sua pele estava ótima, seu humor também. Seu filho mais novo, também de cabelos espetados, solta o controle do novo e caríssimo vídeo game (de última geração) e, sem mais nem menos, pergunta para Alice:
- Mamãe, eu tenho que ser filho do papai mesmo?
- Por que esta pergunta agora, filhote? Alice realmente espantara-se.
- Porque sim! Posso ser filho de outro pai?
Um friozinho rápido percorreu a espinha de Alice. Por um instante ela acreditou que seu filho havia entendido tudo. Respirando pausadamente, ao mesmo tempo que recompunha de modo "mais adequado" o seu sentar, responde:
- Poderia filhote, mas não dá. Este é o seu pai.
- Mas, mãe, e se eu fui adotado?
Um pouco desconfortável, Alice ajeita os cabelos. "Ainda bem que ele não entende de DNA, senão...":
- Filhão, vamos deixar de bobeira e descer até a sorveteria?
- Oba!!!!
Os dois saem de mãos dadas porta afora. Alice aliviada com o término da arguição, Renatinho feliz pela doce perspectiva que o aguardava. Ao entrarem no carro, Renatinho, ao acomodar-se no banco traseiro, descobre um papel colorido, meio amassado, que pulara da bolsa de Alice quando ela a jogara automaticamente. Segurando a folha em suas mãos, a leitura dos caracteres impressos revela uma dúvida:
- Mamãe, o que é pesquisa de qualidade?
- Filhote, que pergunta! É quando falamos para alguém, ou um lugar, se gostamos ou não de lá.
- Ah, tá bem. E o que é... o que é... mo... Motel Las Lenhas?
Percebendo de onde Renatinho tirava suas informações, Alice imediatamente se vira para o banco dos passageiros. De um golpe só arranca o papel das mãos de seu filho e, meio eufórica, meio nervosa, responde:
- Nada não menino, coisas de adultos.
Rapidamente enfia o papel no bolso de sua calça jeans (caríssima, por sinal) e desvia novamente o interrogatório:
- Quem quer sorvete!!!
Dez minutos depois, o burguês, não avistando sua esposa (Alice esquecera de avisar) decide ligar para seu celular:
- Alice? Alô, está me ouvindo?
- Claro como água, fofinho!
- Onde você está?
- Na sorveteria com o Renatinho.
-Ah bom... volta rápido? Estou com fome...
- Volto mais não, viu!
- Ah, volta minha rainha...
- Tá bom, tá bom... beijinhos...

Alice guarda o celular no mesmo bolso que enfiara o papel colorido. Seu sorvete acabara e, neste exato momento, um gosto meio amargo agarrara sua garganta...

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