Enquanto o
burguês praguejava no quarto (a calça colorida não entrara, por conta do excesso
de peso decorrente dos anos que passara sentado em seu gabinete), Alice
relembrava, esparramada no sofá da sala (com varanda alargada pelo espaço
gourmet - oferta top do empreendimento) o quanto a tarde passada "na casa
de mamãe" tinha rendido ótimos frutos: "Ah, se eu pego aquele
impertinente de novo... deixo-o pelo avesso..." Sua pele estava ótima, seu
humor também. Seu filho mais novo, também de cabelos espetados, solta o
controle do novo e caríssimo vídeo game (de última geração) e, sem mais nem
menos, pergunta para Alice:
- Mamãe, eu tenho
que ser filho do papai mesmo?
- Por que esta
pergunta agora, filhote? Alice realmente espantara-se.
- Porque sim!
Posso ser filho de outro pai?
Um friozinho
rápido percorreu a espinha de Alice. Por um instante ela acreditou que seu
filho havia entendido tudo. Respirando pausadamente, ao mesmo tempo que
recompunha de modo "mais adequado" o seu sentar, responde:
- Poderia
filhote, mas não dá. Este é o seu pai.
- Mas, mãe, e se
eu fui adotado?
Um pouco
desconfortável, Alice ajeita os cabelos. "Ainda bem que ele não entende de
DNA, senão...":
- Filhão, vamos
deixar de bobeira e descer até a sorveteria?
- Oba!!!!
Os dois saem de
mãos dadas porta afora. Alice aliviada com o término da arguição, Renatinho
feliz pela doce perspectiva que o aguardava. Ao entrarem no carro, Renatinho,
ao acomodar-se no banco traseiro, descobre um papel colorido, meio amassado,
que pulara da bolsa de Alice quando ela a jogara automaticamente. Segurando a
folha em suas mãos, a leitura dos caracteres impressos revela uma dúvida:
- Mamãe, o que é
pesquisa de qualidade?
- Filhote, que
pergunta! É quando falamos para alguém, ou um lugar, se gostamos ou não de lá.
- Ah, tá bem. E o
que é... o que é... mo... Motel Las Lenhas?
Percebendo de
onde Renatinho tirava suas informações, Alice imediatamente se vira para o
banco dos passageiros. De um golpe só arranca o papel das mãos de seu filho e,
meio eufórica, meio nervosa, responde:
- Nada não
menino, coisas de adultos.
Rapidamente enfia
o papel no bolso de sua calça jeans (caríssima, por sinal) e desvia novamente o
interrogatório:
- Quem quer
sorvete!!!
Dez minutos
depois, o burguês, não avistando sua esposa (Alice esquecera de avisar) decide
ligar para seu celular:
- Alice? Alô,
está me ouvindo?
- Claro como
água, fofinho!
- Onde você está?
- Na sorveteria
com o Renatinho.
-Ah bom... volta
rápido? Estou com fome...
- Volto mais não,
viu!
- Ah, volta minha
rainha...
- Tá bom, tá
bom... beijinhos...
Alice guarda o
celular no mesmo bolso que enfiara o papel colorido. Seu sorvete acabara e,
neste exato momento, um gosto meio amargo agarrara sua garganta...
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