domingo, 8 de março de 2015

Ode ao Burguês - capítulo 13

O burguês queria dizer que detestara aquele lugar, mas Alice (sua esposa) parecia radiante e ele não ousava contrariá-la. Não entendia o que aquela cidade quase toda feita de pedra tinha de especial. Pessoas pobres moravam ali. Pessoas pobres, mal vestidas (as vezes com chapéus de bruxa, outras vezes com camisetas de bandas de rock) frequentavam aquelas ruas. As cachoeiras eram longe, as estradas de acesso a elas eram esburacadas e cheias de poeira (rodar naquele fim de mundo estragaria a suspensão de seu carro financiado) e o comércio local oferecia apenas missangas e artesanato hippie. “Hotel de qualidade?” - Pensava o burguês enquanto caminhava em direção ao cruzeiro – “Oras bolas... só pousadas, só pousadas!” Chegando ao cruzeiro, no alto do morro que abrigava a cidade, seus olhos quase desmancharam-se... de raiva! “O quê, apenas uma cruz de madeira em cima de umas pedras???” Indignado com a subida (seus poros pareciam bicas d’água), o burguês interpela Alice:
- Amoreco, cansei desta viagem! Que lugar estranho, que gente esquisita! Não tem nada de bom aqui!
- Adolfinho querido, relaxe e aproveite! Olhe que vista ma-ra-vi-lho-sa!
- Sim, montanhas e mais montanhas... Vamos embora hoje mesmo!
- Adolfo! Estamos na terra do Ventania! Sente-se um pouco e aproveite.
Na verdade Alice nunca ouvira falar deste cantor, também não entendia o porquê daquele lugar ser tão comentado por seu amante. Porém como a sua empolgação era gigantesca decidira conhecer a tal cidade mística. Pelo menos levaria fotos e lembrancinhas que suas amigas de condomínio não possuíam. Observando o burguês sentado, com sua barriga saliente esticando a camisa polo colorida (comprada a preço de três, apenas pela marca ostentada) Alice pensava em embebedá-lo logo ao cair da noite, para que ele não alimentasse nenhum tipo de expectativas em relação a ela que não fossem baseadas em sono e sonhos profundos – “Ah, se o Roberto estivesse aqui...”.
Enquanto o pôr do Sol avermelhava o horizonte e todos (ou quase todos) os presentes naquele morro saudavam seu declínio, o burguês tentava enviar uma mensagem por celular ao seu chefe, afinal três dias longe de suas tarefas era muito tempo. Alice tentava, disfarçadamente, manter a atenção de um rapagão que tocava um violão perto da pedra onde ela e o burguês se acomodaram (pois com um pouco de álcool o burguês dormiria a noite todinha...) e uma terceira figura, acompanhada de um cachorro diminuto e cheio de tranças feitas em um pet shop qualquer, tentava disfarçar (sem querer de fato) seu anonimato para que os presentes pudessem percebê-lo, afinal ele participara a mais de dois anos em um telejornal matinal levando as “vozes” da periferia para a TV e, por conta desta “enorme façanha”, sentia-se uma grande personalidade. Sua acompanhante, uma loira cheia de maquiagem que, como o burguês, detestara aquela cidade, ralhava com o sujeito para voltarem logo para a pousada em que se hospedaram:
- Buzo, vamos sair daqui! Estou cansada, quero um chuveiro quente!
- Ok, ok, estamos indo...
O sujeito que se auto intitulava de suburbano tentava gravar a cena do pôr do Sol com seu celular e, ao mesmo tempo, segurar seu cachorrinho cheio de tranças, não percebera que seus calcanhares estavam a centímetros do fim da plataforma de pedra na qual o cruzeiro havia sido erguido. Quando finalmente conseguiu acalmar seu cão, ele o leva aos braços e pede para sua acompanhante:
- Ei minha deusa, tire uma foto de nós!
A loira cheia de maquiagem, sem perceber a profundidade do local, imediatamente tira seu celular da bolsa revestida com “pintas de oncinha” e o aponta para o sujeito e seu cachorro:
- Vai um pouquinho para trás, Buzo! Um passinho só!
- Certo mina, um passinho prá cá e... ahhhhhhhhhhhhh...

Os latidos do cachorrinho mal foram ouvidos. Três dias depois seu corpo foi levado para São Paulo e, ao chegar ao local destinado ao seu velório, algumas crianças (que estavam ali a contragosto) entoaram um rap extremamente brega à capela, como forma de homenagem do telejornal que o contratara. Quatro dias depois outra figura (que usava roupas e um boné quase igual ao seu) estreava em seu lugar. Em dez dias o tal suburbano não seria mais lembrado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário