Logo depois de
terminada a partida (foram surpreendentes 7X1) o burguês não sabia se sorria ou
se chorava. Tinha na mente deformada pelos meios de comunicação brasileiros a
certeza de que a vitória da seleção nesta Copa seria revertida em uma nova
vitória eleitoral da atual presidenta: “Ahá, agora essa corja de socialistas
vai ver uma coisa, a vai!”. Sua imbecilidade incrementada por um modelo mental
baseado na heteronormatividade e na mediocridade cognitiva supunha que havia
uma crise em curso no país. Além, supunha (pois havia se informado a partir dos
comentários dos analistas da VEJA e da Rede Globo) que o país só não crescera
mais nos últimos anos devido a má administração e a corrupção que assolava o
governo e as suas ações. Esquecia completamente, portanto, dos quinhentos anos
de história que haviam forjado as condições para que este modelo de nação, vivido
atualmente, operasse. Esquecia deliberadamente, por exemplo, de todas as vezes
que sonegou imposto e também de todas as vezes que ajudou as empresas nas quais
trabalhou a sonegar, gerando falsas informações e/ou omitindo-as. Esquecia de
como ele e o seu modo de vida estavam intimamente ligados as causas e aos
efeitos da injustiça social. Mas, mesmo assim, queria sorrir. Queria sentir-se
vingado por suas opções políticas não terem sido vitoriosas nas últimas
eleições. Queria sentir-se vingado pelo incômodo que “aqueles pobres”, que
entulhavam as filas nos voos domésticos do aeroporto que costumava utilizar,
haviam proporcionado a ele e a sua família: “Imagine só, roubaram nosso
espaço!”. Assim, meio sorridente, meio frustrado, o burguês resolveu passar a
tarde compartilhando posts e mensagens que ridicularizavam a seleção e
vinculavam seu fracasso nesta Copa ao governo brasileiro. Enquanto isso a vida
continuava. Seus filhos jogavam videogame (na TV gigante de última geração).
Alice, sua esposa, combinava o próximo encontro com Roberto e seu poodle
continuava a achar que era gente. E no meio desta rotina, seu cérebro, cada vez
mais adiposo, perdia suas funções intelectuais, ao som da última paródia do
Hino Nacional...
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