domingo, 8 de março de 2015

Ode ao Burguês - capítulo 16

Logo depois de terminada a partida (foram surpreendentes 7X1) o burguês não sabia se sorria ou se chorava. Tinha na mente deformada pelos meios de comunicação brasileiros a certeza de que a vitória da seleção nesta Copa seria revertida em uma nova vitória eleitoral da atual presidenta: “Ahá, agora essa corja de socialistas vai ver uma coisa, a vai!”. Sua imbecilidade incrementada por um modelo mental baseado na heteronormatividade e na mediocridade cognitiva supunha que havia uma crise em curso no país. Além, supunha (pois havia se informado a partir dos comentários dos analistas da VEJA e da Rede Globo) que o país só não crescera mais nos últimos anos devido a má administração e a corrupção que assolava o governo e as suas ações. Esquecia completamente, portanto, dos quinhentos anos de história que haviam forjado as condições para que este modelo de nação, vivido atualmente, operasse. Esquecia deliberadamente, por exemplo, de todas as vezes que sonegou imposto e também de todas as vezes que ajudou as empresas nas quais trabalhou a sonegar, gerando falsas informações e/ou omitindo-as. Esquecia de como ele e o seu modo de vida estavam intimamente ligados as causas e aos efeitos da injustiça social. Mas, mesmo assim, queria sorrir. Queria sentir-se vingado por suas opções políticas não terem sido vitoriosas nas últimas eleições. Queria sentir-se vingado pelo incômodo que “aqueles pobres”, que entulhavam as filas nos voos domésticos do aeroporto que costumava utilizar, haviam proporcionado a ele e a sua família: “Imagine só, roubaram nosso espaço!”. Assim, meio sorridente, meio frustrado, o burguês resolveu passar a tarde compartilhando posts e mensagens que ridicularizavam a seleção e vinculavam seu fracasso nesta Copa ao governo brasileiro. Enquanto isso a vida continuava. Seus filhos jogavam videogame (na TV gigante de última geração). Alice, sua esposa, combinava o próximo encontro com Roberto e seu poodle continuava a achar que era gente. E no meio desta rotina, seu cérebro, cada vez mais adiposo, perdia suas funções intelectuais, ao som da última paródia do Hino Nacional...

Nenhum comentário:

Postar um comentário