domingo, 8 de março de 2015

Ode ao Burguês - capítulo 12

Adormecido em seu sofá (ainda com os pés em seu tapete estupendamente persa), o burguês não notou quando Alice entrou no apartamento, seguido de seu filho caçula. Enquanto ela preparava o jantar da família (ainda pensando no sujeito de camiseta preta), seus filhos resolveram ligar o vídeo game de última geração que estava conectado a TV da sala. O jogo era baseado em um cenário de guerra e o som dos tiros de metralhadoras, fuzis, revólveres e bazucas (aliás, como dizia o grande Arnold, quanto mais pesado o armamento melhor!) começou a interferir nos sonhos do burguês. A praia quase deserta onde ele se encontrara com sua vizinha loura (e muito malhada) se desfez. Em segundos o burguês vivia, em seus devaneios, outra situação: andando sozinho pelas ruas de um subúrbio aterrorizante (afinal, periferia é lugar de bandido, pensava o burguês e quase todos os burgueses que ocupavam os apartamentos de seu condomínio) envolto pela penumbra da noite e pelo medo de ser assaltado, ele tentava chegar a um lugar seguro, sem sucesso. Todas as esquinas que dobrava o recolocavam na mesma rua, escura, cheia de becos, de onde, ao longe, ouvia muitos tiros sendo disparados. Seu coração acelerou, sua respiração ficou pesada e, momentos antes de acordar de seu pesadelo, o burguês teve tempo de encontrar, nesta rua anti-idílica, com três marmanjos mal encarados, cheios de más intenções (pois periféricos são por natureza perigosos, acreditava ele). Ao tentar correr percebeu que seus pés estavam grudados no chão, presos ao asfalto. Enquanto as três figuras vinham ao seu encontro, o burguês gritava desesperadamente: Socorro, socorro! Chamem a ROTA, chamem a ROTA!!!! O primeiro meliante que o alcançou tinha, por incrível que pareça, exatamente o rosto do raper Mano Brown, e, momentos antes de descarregar sua arma no peito do burguês, olhou bem para os seus olhos e disse: Aqui estou mais um dia, sobre o olhar sanguinário do vigia... E de repente: Bam, bam, bam!!!! Os filhos do burguês se assustaram com o grito do pai. Alice correu para ver o que ocorrera. Ele, sentado no sofá, atônito e sem fôlego, tentava falar o que tinha acontecido: Eu, eu, levei vários tiros em um sonho! Argh, que sensação horrorosa! Sem dizer nada, Alice, balançando negativamente a sua cabeça, voltou para a cozinha. Seus filhos, depois de ouvirem na íntegra o conteúdo do pesadelo que seu pai vivera, voltaram a jogar vídeo game e o burguês... bom, o burguês correu para o seu quarto na tentativa de se acalmar embaixo de uma boa chuverada. Ensaboando-se e tentando relaxar, ainda sentia suas pernas trêmulas. Enchendo os pulmões de ar, sentou no chão do box (como fazia quando era criança) e abraçou suas pernas, enquanto pensava: “Nossa, até quando seremos refém da violência? Será que nós, pais de família e cidadãos de bem não merecemos um mundo seguro, livre desta laia de bandidos, homicidas e estupradores? É, o Alberto (um colega de trabalho) tem razão. Nas próximas eleições votarei no Bolsonaro”. Trinta minutos depois o burguês estava calmo. Suas pernas não tremiam mais e seus dedos ágeis o ajudavam a pesquisar as promoções no site de compras que ele adorava.

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