segunda-feira, 2 de março de 2015

Ode ao Burguês -capítulo 10

O burguês aguardava Alice voltar da sorveteria "viajando" pelos sites de compra da internet. Ao procurar na seção de CD´s e DVD´s antigos (seu smart-sobrinho o alertara de como consumir clássicos está na moda), emergiu uma figura com um nome que ele lembrava vagamente: Seleção das 20 mais de Geraldo Vandré. Estranhando um pouco a foto de um rosto dentro de uma gota de orvalho, o burguês enfim lembrou-se do cantor: "Ah, é aquele comunista safado, que foi torturado pelas forças armadas. Nossa, ainda bem que eles nos salvaram desta gente!" Olhando para a lista das músicas selecionadas do CD, deparou-se com um nome curioso: Aroeira". Dedilhando rapidamente seu ultrabook de penúltima geração (esses danadinhos sempre tem um lançamento na semana seguinte...) encontrou em um site de música a letra da canção:

Vim de longe, vou mais longe
Quem tem fé vai me esperar
Escrevendo numa conta
Pra junto a gente cobrar
No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar
Noite e dia vêm de longe
Branco e preto a trabalhar
E o dono senhor de tudo
Sentado, mandando dar.
E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar
Marinheiro, marinheiro
Quero ver você no mar
Eu também sou marinheiro
Eu também sei governar.
Madeira de dar em doido
Vai descer até quebrar
É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar.

"Hãããã..., o que é isso? Cipó, aroeira, escrevendo conta... aff... deve ser mais um filho da puta que escreve coisas sem sentido e se acha artista... É por essas e outras que prefiro Tom Jobim... Ah, a praia de Ipanema..." Entendendo, mas não querendo entender a letra da canção, o burguês resolveu comprar a obra completa do maestro Tom Jobim. Desta forma poderia levar alguma informação de requinte para as conversas de final de expediente com seus chefes e além de tudo, gabar-se de sua erudição com seus comandados. Enquanto concluía a compra, seus pensamentos, embalados pela milésima escuta da tal Garota de Ipanema (mais burguês do que isso, só o hino americano...) compunham imagens espetaculares: Sua vizinha, que vestia um pequeníssimo biquíni (uma falsa loira bem malhada), corria em sua direção (em uma praia qualquer de Angra dos Reis), clamando por seus lábios... "vem, vem, vem!!!!"
O barulho da porta da sala se abrindo o fez voltar para a realidade:
- É você benzinho?
- Não pai, não é a mamãe... sou eu.
A imagem de seu primogênito entrando cabisbaixo (prestava atenção em seu celular) interrompeu, mas não cessou seus devaneios: "Ah, se ela me desse bola..."
No apartamento do lado a vizinha assistia TV (3D, por sinal) em cima de uma esteira ergométrica. Seu namorado pergunta sobre o senhor boa praça que puxara papo com ele no elevador sobre o tempo (o burguês tentava ser socialmente correto):
- Ah, o nosso vizinho de andar?
- É ele mesmo. Parece ser gente boa.
- Gente boa, um perfeito babaca! Não tira os olhos dos meus peitos.
- Sério? E nunca deu umas entradinhas não... rsrs...
- Nunca, só olha e tenta disfarçar...
- Que otário!

- Como eu disse, um perfeito idiota!

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